deus me livre de não sentir a raiva
hoje eu lembro do que já disse a um namorado: todo homem é um potencial abusador. não exagero ao repetir essa frase.
Este texto é uma espécie de vômito. Então fica aqui um aviso de gatilho sobre violência sexual, tá?
Assistindo um vídeo da Milly Lacombe (mlacombe no instagram) eu fiquei com raiva e realizada, se assim posso dizer, por uma outra mulher conseguir colocar em palavras coisas tão profundas e desorganizadas dentro de mim.
O caso relatado pela Vanessa Bárbara na Radio Novelo Apresenta, na semana passada, não aconteceu há 14 anos como todos os envolvidos e notícias faziam questão de destacar e repetir em poucos ou um único parágrafo. Aconteceu e acontece agora. É uma situação que se liga ao que eu e você, outra mulher que pode estar me lendo agora, já vivemos sei lá em que momento da vida, uma notícia assim faz a gente sentir agora de novo. Alguma coisa a gente sente. E uma dessas coisas é RAIVA.
Eu namorei um cara por quem fui profundamente apaixonada. Eu tinha 23/24 anos, estava no final da minha faculdade de psicologia e me via como uma mulher independente já nessa época. O relacionamento durou pouco mais de um ano. E só depois do término eu percebi e dei nome ao que sofri naquela relação: abuso. Sexual e psicológico.
Ao ouvir o episódio no podcast eu não consegui nem chorar. Só senti raiva. Ódio, aliás. Ódio daquele cara que, curiosamente, teve seu nome como o nome fictício na história da Vanessa. Não tinha como essa história não ser também minha…
Aqui se segue um parágrafo escrito com ironia. Não sou uma mulher “evoluída”. Eu não desejo o bem desse cara, do meu abusador. Assim como não desejei coisa boa para o pai de uma amiga da infância que passou a mão na minha bunda quando eu tinha por volta de 7 ou 8 anos. Não desejo coisa boa para aquele outro cara do Tinder que foi até minha casa e também não respeitou o meu não. Ou àquele cara que era “amigo” e colocou algo na minha bebida para me levar para a casa dele. Ou àquele desconhecido na rua, que me fez ficar com dores na virilha por dias e andar sempre pela rua, não mais próxima a parede da calçada, por ter me tocado enquanto passava por mim, quando eu voltava pra casa, da escola. Desejo, pelo contrário, que eles sejam cancelados, nocauteados, acabados.
A ironia com que escrevo é envolvida pela raiva quem não pôde se rebelar contra nenhum deles e se questionou se cada abuso desses foi mesmo um abuso. A gente precisa o tempo todo estar atenta, forte e lembrando a nós mesmas que o que a lei diz é sim algo muito grave.
Ouvir Lacombe dizendo que uma mulher, quando faz qualquer coisa para descobrir o que ela estava vivendo e que ela não era louca, não está invadindo a privacidade de um homem, como a sociedade insiste em nos convencer com sua moral misógina que é. Não, eu não invadi a privacidade de ninguém que já me abusou, violentou, enganou. Foi um alívio imenso ser, obviamente por uma mulher, validada no meu desespero, na minha única chance de sair daquilo que vivia sem os piores resquícios, piores consequências e marcas mais profundas do que as que já existiam quando ocorria o que poderia ser feito por mim.
Por que não, sair simplesmente não resolve. A gente precisa dar sentido ao que vive e ao que nos acontece para ter uma chance de finalizar, de encerrar aquilo diante da gente e, aí sim, poder começar o trabalho de cura dentro de nós. E esse trabalho leva anos! Estamos em 2025 e eu ainda lembro e reconheço as marcas do que vivi em 2011/2012 ou aos 7 anos de idade. Apesar de não me aprisionar nessas lembranças. elas existem. E sempre que algo assim surge na mídia de novo - ou com as minhas amigas, ou no meu trabalho - a ferida é cutucada.
Não tem como não sentir raiva. E eu espero não deixar de sentir… porque enquanto ela fizer parte de mim, pode ser… PODE SER… que algumas dessas coisas não me aconteçam mais.
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Para ler o texto também escrito pela Lacombe, clique aqui.